Discursos e outras falas

Despedida da Sexta Turma

Sr. Presidente, chego a pensar que se V. Exa. não me concedesse a palavra, não lha pediria, pelas emoções em que estou envolvido. Mas devo manifestar-me e o faço agradecendo, e mais que agradecendo, a V. Exa., aos Colegas da Turma, aos Colegas do Tribunal que aqui vieram, aos ilustres advogados e a todos os presentes. Chego a pensar que não se trata, realmente, de agradecimento, porque, como dizia um antigo juiz de Pernambuco, nos começos do século XIX – na verdade, o primeiro dicionarista da Língua Portuguesa, Moraes Silva –, há diferença entre agradecimento e gratidão, visto que o agradecimento é um instante e a gratidão é o agradecer perene.

Indubitavelmente, esta emoção que me envolve me conduz a relembrar Horácio na Arte Poética, recomendando cuidado a quem de falar houver, para não pôr golfinho na floresta e javali nas ondas.

Num primeiro momento, expresso a V. Exa., Sr. Presidente, que armou este instante de doce despedida da Turma, pela generosidade das suas palavras, pela própria lembrança efetiva da prática desse gesto, pelos dizeres com que V. Exa. se referiu a este velho juiz, a minha gratidão.

Sr. Ministro Paulo Medina, a distância espacial entre Sergipe e Minas Gerais é relevante. Mas não há uma distância cultural significativa. Quem sabe, ousaria dizer que o primeiro poeta de Sergipe foi Santa Rita Durão, da Escola Mineira do século XVIII, pois que ele, no seu poema, O Uruguai, descreve a costa brasileira. A primeira descrição da terra sergipana é feita por Santa Rita Durão. De Sergipe ele disse:

“Não há, depois do céu, mais formosura.”

Portanto, é estreito o nosso relacionamento, Sr. Ministro Paulo Geraldo de Oliveira Medina. E não pára o elo Sergipe-Minas em Santa Rita Durão. Posso lembrar Alberto Deodato, o Professor emérito da Casa de Afonso Pena, o representante do povo mineiro na Câmara dos Deputados, o cronista admirável de Roteiro da Lapa, o romancista inesquecível de Doce Filha do Juiz.

Era eu Juiz de Direito na Cidade de Maruim, lá no meu Sergipe, quando me avisaram que havia um homem desconhecido no fórum e queria falar com o juiz. Pedi que ele entrasse, e ele se identificou: Sou Alberto Deodato. Vim saber quem é o juiz da minha terra – porque ele nascera em Maruim. Claro que não lhe abri apenas a porta do fórum, mas também o coração; conversamos uma tarde inteira e ouvi de perto aquele Alberto Deodato que Minas tanto admirava.

Antes dele, Heitor de Souza, nascido na minha Estância, foi Procurador-Geral de Minas Gerais e representou o povo de Minas na Câmara dos Deputados, antes de ser Ministro do Supremo Tribunal Federal, tendo falecido em pleno exercício da função judicante, dobrando-se sobre a bancada em que proferia o seu voto.

Quando foi erguido um fórum na minha cidade, sugeri que se lhe desse o nome de Heitor de Souza, aquele sergipano que foi Ministro do Supremo Tribunal Federal, que morreu na bancada de julgamento, mas antes representara o povo de Minas Gerais, no Congresso Nacional.

Ao Sul de Minas, à cidade de Muzambinho, inúmeras vezes, Jackson de Figueiredo, nascido em Aracaju, se dirigiu para as suas conferências junto com Pirillo Gomes. Jackson liderava parte do pensamento brasileiro, notadamente o pensamento católico brasileiro que tinha, entre os seus liderados, figuras que, depois, se tornaram exponenciais da vida pública brasileira, como Sobral Pinto e Alceu Amoroso Lima.

Se fosse em busca de outros liames entre Minas e Sergipe, certamente poderia lembrar o próprio Rio São Francisco, que é um caminho líquido de felicidade entre Minas e Sergipe.

 Sr. Ministro Paulo Medina, as palavras de V. Exa, a meu respeito agasalharam-me neste instante em que me retiro da Corte. Minha gratidão a V. Exa.

Sr. Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, companheiro de tantas jornadas por esses brasis afora, como V. Exa. bem lembrou Cruz Alta, lá no Rio Grande do Sul, a minha admiração por V. Exa. é pública. Tive a oportunidade de expressá-la, formalmente, quando a Corte deu-me a incumbência agradável de fazer a saudação da Casa a V. Exa. Fi-lo com o pensamento e o coração, Sr. Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro. Reconheço na pessoa de V. Exa. o penalista emérito, o humanista extraordinário naqueles concursos de Roma. V. Exa. trouxe à tona, desenhos que registram o drama do Desembargador Visgueiros, que se encontram no Museu de Sergipe, na vetusta São Cristóvão.

Aqueles desenhos, Sr. Ministro, são da lavra de Horácio Hora, nascido na cidade de Laranjeiras, merecedor de prêmio de viagem à Europa, expoente da pintura acadêmica brasileira.

V. Exa. falou que Viveiro de Castro fez o estudo científico daquele quadro terrível, que teve como figura central o velho desembargador maranhense. E Viveiro de Castro, que ali trabalhou com as idéias de Ferri, insere-se na plêiade de juristas brasileiros, como Fausto Cardoso, Gumercindo Bessa, Souza Bandeira, Clóvis e Sílvio. Situa-se ele nessa plêiade de notáveis discípulos de Tobias Barreto, que contestava a idéia de uma ciência da lei e homenageava o pensamento de uma ciência do direito.

Sr. Professor César Roberto Bittencourt, penalista que o Brasil atual reconhece e homenageia, sua presença na tribuna, e o que V. Exa. proferiu, honra-me, sobremodo. A vida de magistrado é sofrida. Para retratar essa vida, vou repetir versos de um juiz de Caçapava e de Santa Maria da Boca do Monte, lá no Rio Grande do Sul, figura proscenial do primeiro momento romântico da poesia brasileira, como proclamou Ramiz Galvão, o seu conterrâneo que entregou ao Brasil não só as suas obras de história, mas, também o seu Vocabulário Etimológico, Ortográfico e Prosódico de Palavras Portuguesas Derivadas da Língua Grega, cuja última edição foi prefaciada pelo Ministro Paulo Brossard. Eis os versos de Pedro de Calazans:

“Se para amar-te, for mister martírios,
com que delírios saberei sofrer!”

Meu caro Colega, Sr. Ministro Paulo Gallotti, foi extremamente agradável para mim essa convivência estreita, haurindo da sua experiência, do seu saber, do seu cuidado de juiz, o quanto pude para bem exercer a magistratura. Agradeço de coração.

Meu caríssimo amigo, Procurador Samir Haddad, quanta coisa disse V. Exa.! Foi extremamente generoso comigo. V. Exa., que é o Ministério Público atuante, que não deixa passar nada, concedeu-me a delicadeza de suas palavras. Sou-lhe grato.

Renovo o meu agradecimento a V. Exa., Sr. Presidente, e a todos os presentes, que para aqui se moveram pensando neste instante.

Registro a presença da minha mulher Ilma e da minha filha e colega Gisela.

Agradeço a todos e que Deus a todos proteja.

(Pronunciamento extraído da Coletânea de Julgados e Momentos Jurídicos dos Magistrados no TFR e STJ. Sessão Ordinária, de 04/12/2003.)

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