Homenagens

Homenagem do Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro

“Conheci o homenageado quando promovera, em Aracaju, encontro de Presidentes de Tribunal de Justiça. Passei a admirá-lo como magistrado e administrador. No período da reunião, ampliou a Biblioteca, com especial atenção às obras raras. Anunciara, ademais, a formação de grupos capitaneados por magistrados a fim de ir ao encontro da população, não esperando que a população, quase sempre tímida, não acorria aos balcões dos cartórios. ” Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro

‘Exmo. Sr. Presidente desta egrégia Sexta Turma, Ministro Hamilton Carvalhido, eminentes Ministros Luiz Carlos Fontes de Alencar, Paulo Gallotti e Paulo Medina, ilustre representante do Ministério Público Federal, Dr. Samir Haddad, agradeço, e o faço com bastante satisfação, eminente Presidente, o convite para participar da homenagem como Ministro aposentado – daí não ter eu vestido a capa de advogado –, fazendo uma ação declaratória, meramente declaratória, das virtudes, da eficiência, da dignidade de Luiz Carlos Fontes de Alencar. 

A egrégia Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça homenageia, hoje, V. Exa., Ministro Fontes de Alencar. Esta sessão histórica não se repetirá. Projeta- se, no entanto, para o futuro. Integra, para utilizarmos a expressão tão a gosto de Eduardo Prado, os “fastos da história”. 

Se a instituição se lamenta com a aposentadoria, o orador se emociona. Há motivos para tanto. Luiz Carlos Fontes de Alencar completa 42 anos de Magistratura. Sem dúvida, uma vida. Certamente, neste momento, está a recordar-se de sua nomeação para Juiz de Direito da Comarca de Tobias Barreto, em Sergipe. O destino é caprichoso, coloca-nos onde nosso íntimo e nossa aspiração gostam de estar. 

Pois bem, Tobias, o filósofo preferido de Fontes de Alencar, está a ele presente não só pela ascendência intelectual – e é honroso para qualquer pessoa ter como ascendente intelectual Tobias Barreto – como pelo fato de que apenas os homens sensíveis levam em consideração. Tobias Barreto, em 1850, muda-se para a cidade de Estância, terra natal de Fontes de Alencar. Não é só: Fontes inicia sua atividade como Juiz de Direito na Comarca de Tobias Barreto, em 1961. O destino, se não material, intelectualmente aproximaria esses dois brasileiros, reservaria outra coincidência a Fontes de Alencar, aproximando-o ainda mais de Tobias. Este residira em Estância, cidade natal de Fontes de Alencar, para ali receber aulas de música e latim. A curiosidade intelectual de Fontes de Alencar, voltada para a pesquisa histórica, tem, sem dúvida, influência da aura que se sente em São Cristóvão, cidade que os sergipanos fazem questão de dizer, de repetir, ser a segunda cidade brasileira. 

O Museu de Arte Sacra, cujo acervo está publicado em volume artístico, obra de encanto e vaidade de Fontes de Alencar, ao lado do Museu Histórico, no outro lado da Praça, constituem referencial obrigatório para a História do Brasil. O Museu registra, aliás, o triste acontecimento, com exibição de jornais da época, o desatino do Desembargador Visgueiros, analisado, criminologicamente, por Viveiros de Castro, em obra de influência positivista, desenvolvida no estilo e método de Enrico Ferri, em “Os Criminosos na Literatura”. 

Conheci o homenageado quando promovera, em Aracaju, encontro de Presidentes de Tribunal de Justiça. Passei a admirá-lo como magistrado e administrador. No período da reunião, ampliou a Biblioteca, com especial atenção às obras raras. Anunciara, ademais, a formação de grupos capitaneados por magistrados a fim de ir ao encontro da população, não esperando que a população, quase sempre tímida, não acorria aos balcões dos cartórios. 

Algumas coincidências nos unem, eminente Ministro: Magistrados de carreira, no mesmo dia tomamos posse no Superior Tribunal de Justiça; professores universitários, membros da Academia Brasiliense de Letras, hoje, posso chamá-lo de confrade. Ele preferiu o ensino do Direito Processual Penal, e eu inclinei-me para o Direito Penal. Além disso, ocupou, nesta egrégia Sexta Turma, a vaga decorrente de minha aposentadoria. Apesar disso, temos concepções diferentes do Direito. Na linha do garantismo, confiro importância ao princípio da legalidade, garantia política dirigida a qualquer pessoa. Todavia, tendo em vista o caso concreto, o realce cabe ao disposto no art. 59 do Código Penal, cujos parâmetros projetam a pena em concreto, enseja ao magistrado a crítica do caso em exame, raciocinando teleologicamente. É instante de confluência do Direito Penal, do Direito Processual Penal, da execução da pena, da criminologia, da política criminal, com o resguardo da Constituição da República, para o magistrado promover a individualização da pena, que não se traduz pura e simplesmente num cálculo formal. 

Sempre repito, a lei é ponto de partida, não é ponto de chegada. A política criminal e a criminologia fazem-se presentes em todos os processos. O magistrado é agente político, no sentido nobre do termo não pode raciocinar apenas com o Direito formalizado, necessita guiar-se também pela justiça. Projeto de lei em curso no Congresso Nacional, encaminhado pelo então Ministro da Justiça Miguel Reale Júnior, enseja ao juiz aplicar a pena abaixo da cominação, evidente trânsito para, posteriormente, de modo formal, o que é substancialmente permitido, no meu modo de ver, fazer a justiça do caso concreto, ensejando ao magistrado deixar de aplicar a sanção penal. 

Oportunidades sociais oferecidas ao réu é outro projeto de lei acrescentando essa redação ao art. 59, de sugestão do ilustre criminalista e professor de Direito Penal na Universidade do Rio de Janeiro, Nilo Batista, porquanto estamos vivendo uma quadra histórica em que o Direito Penal não pode continuar a ser pura e simplesmente um jogo de xadrez em que o magistrado aplica o que a lei estabelece. Há um conteúdo humano; há necessidade de uma solução justa, de uma solução de acordo com os valores e as distinções sociais. 

O homenageado, Sr. Presidente, irônico, sem grosseria, mostra a sensibilidade da inteligência. A vocação intelectual fê-lo dedicar-se à literatura: “Rui e a Pós- Modernidade”, “A Lição de Rui: crime de hermenêutica, a hipérbole do absurdo”, “Kalevala”, “Aqueles Dois Advogados”, “Água do Camaragipe”, “Floresta e Diamantes” exteriorizam a sensibilidade para crítica e a informação. 

Nossa afinidade, Sr. Presidente, projetar-se-ia fora de Brasília e mais longe ainda de Sergipe. Na mesma solenidade, fomos honrados com o título de professor  emérito da Universidade de Cruz Alta no Rio Grande do Sul, comandada por um dos mais respeitados pensadores vivos do Brasil. 

O intelectual não tem o direito a aposentadoria material. O raciocínio, a curiosidade pelas artes no sentido amplo do termo obriga-o à pesquisa diária, à leitura dos clássicos, à atualização das artes. Diria mais – permita-me falar agora como confrades: incentivar o chá das cinco na Academia Brasiliense de Letras. 

A aposentadoria administrativa de Fontes de Alencar para a cultura é meramente declaratória. Breve, com certeza, terá a público mais uma produção literária, agora sem a pressão implacável dos prazos processuais e da leitura. Aí está um ser humano de corpo presente postulando justiça. 

Sr. Presidente, permita-me, agora, dirigir-me diretamente ao Ministro Fontes de Alencar. Vivemos, convivemos, ouvimos tantas vozes diferentes, Rui, Tobias, Betiol, Ferraioli; nas estrelas juridicamente de constelações diferentes, unem-se na composição do universo jurídico. 

Para encerrar, porquanto o cerimonial estabelece outras manifestações que com tanto gosto virão aplaudir o Ministro Fontes de Alencar, gostaria de deixar a mensagem, aquela pelo qual tanto me bato a tantos anos com a colaboração de ilustres professores como César Bittencourt e Toron, qual seja, uma justiça material. E digo: temos que pensar, membro do Ministério Público, juiz, advogado, no tempo existencial da pena; cinco anos existencialmente corresponderá a quase uma existência. Não podemos, assim, deixar de, exclusivamente por um jogo de dispositivos toda a grandeza do Poder Judiciário, realizar o justo, que é manter a paz social. Não nos deixemos trair por aspectos e silogismos meramente formais. 

Sr. Presidente, renovo os agradecimentos. O Ministro Fontes de Alencar continuará presente. Sua jurisprudência é o patrimônio que aqui fica entregue aos seus herdeiros. Espero que S. Exa. nos considere também herdeiros para esse fim.

Muito obrigado.’

Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro

Dezembro, 2003

 

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