Nos primeiros dias de 2011 peguei do livro de Umberto Eco A Memória Vegetal e outros escritos de bibliofilia, editado pela Record, do Rio de Janeiro, no ano ultimo findo; tradução de Joana Angélica d’Ávila. De intróito, o texto de uma conferência pronunciada pelo autor na Sala Teresiana da Biblioteca Nazionale Braidense em Milão no ano de 1991. Prenderam-me a atenção algumas asserções do conferencista a respeito do fenômeno a que dá o trato de memória vegetal. Em sua preleção na biblioteca milanesa o criador da premiada obra O nome da Rosa e de, entre outras, O pêndulo de Foucault disse da memória orgânica, aquela registrada e administrada pelo nosso cérebro, e da memória mineral, porque os primeiros signos foram gravados em tabuinhas de argila ou esculpidos sobre pedra, e ainda lembrou o suporte mineral da mais atual das memórias, a dos computadores, cuja matéria prima é o silício.
O referido professor da Universidade de Bolonha e romancista nado em Alessandria afirmou:
.. com a invenção da escrita, nasceu pouco a pouco o terceiro tipo de memória, que decidi denominar vegetal, porque embora o pergaminho fosse feito com pele de animais, o papiro era vegetal e, com o advento do papel (desde o século XII), produzem-se livros com trapos de linho, cânhamo e algodão – e por fim a etimologia tanto de biblos como de líber remete à casca da árvore.
E acrescentou:
Os livros envelhecem. Alguns envelhecem bem, outros menos. Depende das condições em que foram conservados, certo, mas também do material com que foram produzidos. Como os senhores podem conferir em qualquer biblioteca, o papel de trapos sobrevive aos séculos. […] Mas, a partir da segunda metade do século XIX, a vida média de um livro não poderá ultrapassar, afirma-se, os setenta anos.
Então, volvi a vista para a estante em que sabia estar Dias e Noites de Tobias Barreto de Menezes, com um juízo crítico de Sílvio Romero; exemplar por mim adquirido há bom tempo, e cuidadosamente conservado.
Sua publicação ocorrera em 1881, no Rio de Janeiro, pela Imprensa Industrial. Por conseguinte, cento e trinta anos nos distanciam da edição príncipe do poemário.
Tobias Barreto era natural da vila de Campos do Rio Real, curso d’agua que separa o território de Sergipe do da Bahia. A antiga povoação em que nascera no ano de 1839, hoje cidade, leva o seu nome. Recife foi o espaço em que despontou para a ingente luta que foi seu viver.
A propósito lembro que Alceu Amoroso Lima ao receber Gilberto Amado na Academia Brasileira de Letras, aludindo a ida do estanciano para a capital de Pernambuco exclamou:
Recife! Palavra mágica para todo nortista, entrada do sertão e promontório do universo.
Assim foi efetivamente para o notável brasileiro, que brilhou mundo afora; mas também para Tobias Barreto, que sem nunca do nordeste ter saído, fez seu nome ressoar por todo o País, e chegar a polos culturais distantes, dum lado e doutro do Atlântico.
Apenas cinquenta anos viveu Tobias Barreto – 1839-1889. Ele é Patrono da Cadeira 38 da ABL, escolhido pelo respectivo fundador, o romancista de Canaã, Graça Aranha. Hoje José Sarney é seu titular.
Latinista, poeta, filósofo, lente da Faculdade de Direito do Recife, crítico de arte e de literatura, jurista, orador – ele foi.
A coletânea de versos mencionada sai hoje dos prelos a esforços meus – escreveu Silvio Romero no início do prólogo correlato, que assim titulou: Tobias Barreto de Menezes como Poeta.
É do referido texto romeriano que me valerei doravante. E de logo trago este seu registro:
Tobias Barreto, mais conhecido como crítico e orador, foi e é, antes e acima de tudo, um poeta.
E aquele que inda iria escrever, antes de terminada a década, a História da Literatura Brasileira, traçou o seguinte quadro do Recife ao tempo da chegada ali do conterrâneo mais moço:
A poesia era um prolongamento dos tacapes de Gonçalves Dias e da choradeira de Alvares de Azevedo.
Neste meio saltou Tobias com vinte e três anos de idade. Ruminou a bordo uma das suas melhores produções: À Vista do Recife.
Desde logo as cousas se acharam mudadas; aquele modo de dizer másculo e irritante era novo.
A chorominga morreu desde ai; os entusiastas tomaram o partido do sergipano. Castro Alves, muito mais moço, e aparecido posteriormente era do número deles. Os dous foram amigos. Tobias sempre o distinguiu dentre a turbamulta e dedicou-lhe os lindos versos – Os Oito Anos. Castro Alves dedicou-lhe O Rio e o Gênio. Mais tarde, por intrigas e questões de bastidores brigaram os dous. A luta foi renhida e escandalosa, por causa de duas atrizes.
Observo que no corpo daquele livro de versos não há menção da dedicatória de Tobias Barreto, mas no da edição comemorativa (Editora Record/INL – 1989), sob Direção Geral de Luiz Antonio Barreto com colaboração de Jackson da Silva Lima, há notação deste teor:
Publicado no Diário de Pernambuco, de 24.08.1865, “dedicado ao seu amigo e colega A. Castro Alves” – p.118.
Torno ao prefaciador:
Na questão puramente literária e crítica não foi para sorprender que o sergipano contundisse o baiano, que, si tinha, como foi sempre dos primeiros a reconhecer, um apreciável talento poético, não tinha estudos feitos.
Noutro passo assentou ele:
A época de 1862 a 1870 no Recife, ao influxo de um entusiasmo de súbito desenvolvido, foi um período de vida e movimento literário. (…)
Era um período guerreiro para o país e a poesia acostumou-se ao retintim das armas. Ouvimos então os nossos mais belos hinos patrióticos. O Recife era a passagem de todos os batalhões do norte; o ardor marcial era geral. Tobias recitou os Voluntários Pernambucanos, A Capitulação de Montevidéu, Os Leões do Norte, Em Nome de Uma Pernambucana e muitos outros cânticos marciais.
Pouco adiante asseverou:
Tenho sempre associado o nome de Castro Alves ao de Tobias Barreto. (…) Considero-os os dous melhores representantes do lirismo hugoino no Brasil; ambos têm o tom elevado, que os fez denominar de chefes da escola condoreira.
E mais:
Um é o segundo elo da cadeia, de que o outro foi o primeiro e Vitoriano Palhares o terceiro. O poeta das Espumas Flutuantes foi tido por chefe, por dous motivos principais: o passar-se para o Rio e S. Paulo e o ter publicado logo o seu livro. Não esqueçamos, porém que ele nada teve de inovador, não passando de um sectário de Tobias. Esta á a justiça da história
Aqui, leitor amigo, a minha homenagem ao poeta de Dias e Noites no centésimo trigésimo aniversário da publicação do seu livro.
Fontes de Alencar