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O tradutor ignoto

Anderson Braga Horta em Sob o signo da poesia: literatura em Brasília, ao cuidar de Poesia Francesa: Pequena Antologia Bilingue de José  Jeronymo Rivera,escreveu:

“Não é fácil, mas é possível recriar o poema de modo que, na língua de destino, ele soe como original e suscite um conjunto de sensações-emoções-sentimentos-ideias que se assemelhe ao da matriz”. 

Ambos e mais Fernando Mendes Vianna, tradutores de Victor Hugo (O Sátiro e outros poemas – Rio: Galo Braco, 2002)

Umberto Eco propôs o tema “Interpretação e superinterpretação” para as Conferências e o Seminário Tanner de Clare Hall, Cambridge, de 1990.  Na primeira exposição do Doutor de Bolonha, ele já mencionava a intenção do texto ou intentio operis, em contraposição – ou em interação – com a intentio auctoris e a intentio lectoris. De uma fala do Professor recolho sua observação a respeito de um verso de William Wordsworth – 1770-1850 – :

“A poet could not but be gay“
(“Um poeta só poderia ser alegre”).

Falou então:

“… um leitor sensível e responsável não é obrigado a especular sobre o que se passou na cabeça de Wordsworth ao escrever aquele verso, mas tem o dever de levar em conta o sistema léxico da época de Wordsworth. No tempo dele gay não tinha nenhuma conotação sexual, e reconhecer este ponto significa interagir com um tesouro cultural social.” 

Destarte, impor-se-á ao intérprete do aludido fragmento de poema, segundo o Catedrático bolonhês, respeitar o pano de fundo cultural e linguístico do britânico.

Os textos ecoianos e os dos debates consequentes estão em Interpretação e Superinterpretação, editado pela Martins Fontes, de São Paulo.

Victor Hugo foi grandemente admirado e não apenas no país dele. No nosso o seu nome marcou, no século dezenove, certa corrente de poesia. A ela pertenceu Tobias Barreto. Entre os que verteram para o português versos de Hugo está o autor de Dias e Noites, que em 1865 passou para o vernáculo Um peu de Musique, extratado de La Légende de siècles (première sèrie, 1859). 

Dou-lhes, leitores, o traslado tobiático da produção  hugoana:

Um pouco de Música 

Se te apraz, inventemos um sonho,
Cavalguemos dois lindos corcéis;
Tu me levas, e eu te arrebato;
Cantam aves em flóreos vergéis.

 Olha! eu sou teu senhor e tua presa,
Boa hora em que o sol vai se por…
Meu cavalo se chama a alegria,
Teu cavalo se chama o amor.

Vem, os nossos ginetes mentiras
Andam ambos em marcha sonora,
Bate o meu com o pé nos meus sonhos,
Bate o teu nas pilastras da aurora.

Fá-los-emos correr em parelha,
Passo a passo, cabeças juntinhas,
E depois dar-lhes-emos em paga
Uma doce ração de boquinhas.

Vem, a hora é belíssima; os pássaros
Interrompem da tarde a canção
Para ouvirem o som das cadeias
Que puseste no meu coração.

Vem, sê terna, que eu sou ébrio e doudo…
Que perfume!… Teu hálito faz
Borboletas e abelhas dos campos
Dos teus lábios voarem atrás.

Levaremos também por bagagem
Nossos votos, cuidados e zelos. 
Nossas ditas e nossas tristezas
E essa flor, que te adorna os cabelos.

Vamos juntos, assim, minha santa,
Que és de Deus a mimosa pupila:
Contaremos depois este sonho
Às estrelas da noite tranquila.

Quando morreu em 1885 o autor de Les Contemplations considerável porção do mundo recebeu o choque decorrente do infortúnio. Neste lado atlântico também repercutiu o seu falecimento. Entre as homenagens que então lhe foram prestadas, o livro de Múcio Teixeira Hugonianas: poesias de Victor Hugo traduzidas por poetas brasileiros. Duas edições foram dele tiradas, ambas da Imprensa Nacional, naquele mesmo ano. A terceira, da ABL, surgiu em 2003.

Na obra de Múcio Teixeira não está a tradução tobiana acima reproduzida, nada obstante o antologista tenha  dito no peritexto Victor Hugo – Biografia a traços largos:

“Castro Alves, Pedro de Calasans, Tobias Barreto e Ramos da Costa, de todos os seus discípulos os que mais se aproximam do Mestre”. 

Em Victor Hugo no Brasil de A. Carneiro Leão também não é encontrada a versão daquela linda peça, ainda que tenha ele afirmado:

“Não é sem razão que Sílvio Romero acentua, com ênfase, a primazia no tempo de Tobias Barreto no movimento hugoano ou condoreiro em Recife”. 

A editio princeps de Dias e Noites ressente-se de igual senão. A propósito dessa lacuna a explicitação feita por Sílvio Romero no posfácio da edição de 1881:

“Este livro, […] contém uma  terça ou quarta parte das produções poéticas  de Tobias Barreto. Faltam ai muitas mais inspiradas composições do poeta, […]. É certo que todas as poesias  do distinto sergipano foram publicadas em jornais e periódicos de Pernambuco e que existem muitas coleções manuscritas desses cantos; compreende-se, entretanto, o embaraço que hoje encontrará quem daqui da corte se abalançar a coligir versos esparsos pelas folhas provincianas.”

A tradução do poema de Victor Hugo Un peu de Musique foi publicada em livro na 2ª edição de Dias e Noites (Rio de Janeiro: Laemmert, 1893).

Fontes de Alencar

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